Ambientalismo para a Rede

Jose Murilo
4 min readMay 14, 2017

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Por uma economia política da propriedade intelectual

Artigo originalmente publicado no site ecologiadigital.net,
em 05 de dezembro de 2003

Um dos primeiros a destacar a necessidade de uma Ecologia Digital que se aproxima da forma como a concebemos foi James Boyle, do Direito da Duke University. Em seu livro de 1996, “Shamans, Software and Spleens”, partindo de uma decisão da Suprema Corte americana em 90 (Moore v. The Regents of the University of California) que regulamentou a possibilidade de se patentear DNA retirado do corpo de terceiros, buscou construir uma teoria social da sociedade da informação. O livro, de fato, expande as idéias apresentadas pela “Declaração de Bellagio”, de 1993, que contou com a co-autoria de Boyle:

“A lei de propriedade intelectual contemporânea é construída em torno da noção do autor como um indivíduo, criador original e solitário, e é para este quadro que suas proteções são concebidas. O “autor”, neste sentido moderno, é o criador de obras de arte únicas, cuja originalidade garante sua proteção sob as leis de propriedade intelectual — particularmente as leis de “copyright” e de “direitos de autoria”. Esta noção, no entanto, não é nem natural nem inevitável. Ao contrário, surgiu em um tempo e lugar específicos — a Europa do século 18 — em conexão com um formato particular de tecnologia da informação — a imprensa. Apesar disso, tal noção continua sendo o paradigma dominante em nossa era global, multicultural, pós-colonial e eletrônica — um paradigma que vai além do copyright para influenciar todos os tipos de direitos de propriedade intelectual. Devemos reconhecer o aspecto político presente nesta visão de “autoria”: como entendida atualmente, trata-se de um portal através do qual deve-se passar de forma a garantir direitos de propriedade, um portal que está fechado para um número desproporcional de modos de produção não-ocidentais, tradicionais, colaborativos e folclóricos.
The Bellagio Declaration (1993 Rockefeller Conference)

De acordo com Boyle (in “The Need for Digital Ecology”), existe hoje a necessidade de um ativismo político sobre a questão da propriedade intelectual, de forma a combater as tendências estruturais do modelo estabelecido para a sobre-proteção dos direitos autorais. O fato é que o tema não tem um lugar correspondente no debate popular ou no entendimento político, e neste contexto é que surge a Ecologia Digital, exercitando uma analogia com o movimento ambientalista de forma a demonstrar como concebermos uma “economia política da propriedade intelectual”. Sob o conceito do “ambientalismo”, diferentes grupos com diferentes interesses (algumas vezes contraditórios) puderam se organizar em torno de uma ampla coalizão política. É exatamente isto que precisamos agora no tema da mídia digital — uma abordagem política que possa efetivamente defender o domínio público e as liberdades do ambiente digital.

“Penso que o grande problema é a cegueira múltipla envolvida na questão. Primeiramente, se você aborda alguns dos assuntos relativos a “liberdade de expressão” e os re-descreve como assuntos de “propriedade”, as restrições de expressão ficam invisíveis.
Então, faz-se com que grande parte da regulação se dissolva no nível técnico, de forma que você não se dê conta que está sendo regulado. Resulta que você simplesmente não pode fazer o que você gostaria de fazer porque o aparelho de DVD não irá permitir, ou seu computador não irá permitir, e seria um crime (literalmente) tentar mudar as configurações. Novamente, a restrição está invisível.

E por último existe a estratégia de utilizar instâncias privadas para regular. O Estado pode tornar iniciativas privadas — universidades ou provedores de serviços de Interent — responsáveis pela implementação de políticas de restrição. Novamente, o papel do Estado e as escolhas políticas envolvidas são bem menos óbvias, mais difíceis de serem criticadas. Estas são três formas bem efetivas de regular o ciberespaço.
(Para ilustrar este ponto, veja aqui)
O que estamos tentando fazer é criar uma nova moldura para que o mundo possa pensar sobre propriedade intelectual — ou seja, criar uma noção do domínio público, da mesma forma como os ambientalistas “criaram” o ambiente. Para tornar visível o invisível.”
A Politics of Intellectual Property: Environmentalism For the Net?
THE SECOND ENCLOSURE MOVEMENT AND THE CONSTRUCTION OF THE PUBLIC DOMAIN

Num sentido mais amplo, não é somente a palavra “ambiente” que cataliza a atenção da sociedade, mas sim duas idéias importantes que permeiam o movimento ambientalista. Primeiro a idéia de ecologia — as interconexões frágeis, complexas e imprevisíveis entre os sistemas vivos. E em segundo lugar a idéia do “estado de bem-estar social” (welfare economics) — que teoriza sobre as formas nas quais os mercados podem falhar em fazer com que as atividades produtivas internalizem seus custos totais, principalmente os custos relativos a prejuízos ambientais.

Esta nova noção de domínio público [digital] pode levar a um nível mais alto de abstração um conjunto de lutas individuais. Da mesma forma como o “caçador de patos” pode encontrar uma causa comum com o “observador de pássaros” sob a bandeira do ambientalismo, o conceito de Ecologia Digital pode unir interesses de grupos hoje envolvidos em lutas individuais desprovidas de uma noção do contexto mais amplo. Esta idéia apresenta inúmeras soluções para problemas de ação coletiva, incluindo a criação de organizações especializadas cuja capacidade técnica e influência política permitirá uma melhor articulação de interesses difusos pertencentes a um público mais amplo.

Existirá público mais amplo que o conjunto de usuários da rede nossa de cada dia? Viva a Ecologia Digital!

José Murilo
Brasília, 05 de dezembro de 2003

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Banda 69 (1980’s) / brasil.gov.br (1997) / GlobalVoices PT Editor (2006-09) / CulturaDigital.br (2009-16) / IBram (2016-) — Tainacan* sKhGZd

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